Estudo de Caso - Incêndio em inversor solar fotovoltaico
Introdução:
Não há dúvida de que a energia solar fotovoltaica é uma das formas de geração de energia mais promissoras no Brasil. A cada dia os sistemas solares fotovoltaicos tornam-se mais acessíveis e o mercado apresenta altos índices de crescimento.
Consumidores se interessam cada vez mais pelos benefícios. Fabricantes investem cada vez mais em novas tecnologias, desenvolvendo produtos com maior eficiência e menor custo. Distribuidores de equipamentos aumentam seus estoques e oferecem mais produtos e opções ao mercado. Por fim, há um aumento significativo de profissionais e empresas atuantes no setor. Todos esses fatores colaboram para que o mercado seja cada vez mais competitivo.
Entretanto, esse crescimento acelerado – aliado à falta de conhecimento de grande parte dos consumidores – permite a entrada de empresas e profissionais despreparados, o que coloca em risco a qualidade dos projetos e das instalações. Todas as instalações elétricas – em especial os projetos de geração de energia – necessitam de acompanhamento de um responsável técnico competente e qualificado. A não observância dessa regra pode colocar em risco os bens materiais e a vida das pessoas que decidem instalar um sistema fotovoltaico.
Um exemplo de problema que pode acontecer é visto na imagem abaixo, que mostra o resultado de um incêndio iniciado nos terminais de entrada do inversor fotovoltaico:
Descrição da ocorrência:
Trata-se de um sistema solar composto por um inversor de 40kW e 125 módulos fotovoltaicos. Após a entrada em operação, o sistema necessitou passar por manutenção devido à baixa eficiência relatada pelo cliente.
Ao chegar ao local da instalação a equipe de manutenção desligou o disjuntor que conecta o inversor à rede de corrente alternada (CA) e também a chave seccionadora de corrente contínua (CC) integrada ao inversor. Teoricamente, com o desligamento dessas duas chaves as condições de segurança necessárias para a manutenção do sistema teriam sido atendidas.
O próximo passo seria desconectar os conectores MC4 (entradas dos módulos fotovoltaicos) da parte inferior do inversor. Na primeira tentativa de desconexão gerou-se um arco elétrico e o mesmo foi suficiente para iniciar quase instantaneamente um incêndio no local.
O que poderia ter ocorrido, uma vez que o sistema estava desligado tanto no lado CA como no lado CC?
Análise técnica dos fatos
O inversor empregado no sistema dispõe de 8 entradas de strings e 2 entradas de MPPT (rastreamento do ponto de máxima potência), além de fusíveis e uma chave seccionadora CC integrada. Na Figura 1 abaixo mostramos o esquema elétrico de uma das entradas de MPPT do inversor, onde verificamos a existência de 4 entradas para a conexão de strings fotovoltaicas.
A chave seccionadora está posicionada após os barramentos onde as strings são conectadas em paralelo, como podemos ver nas Figuras 1 e 2. Dessa forma, a desconexão da chave CC mantém os barramentos de entrada energizados e consequentemente as strings permanecem eletricamente conectadas entre si, como vemos na figura abaixo. Isso não deveria ser um problema, todavia.
Figura 2: Strings com quantidades diferentes de módulos conectadas aos barramentos positivo e negativo de uma das entrada de MPPT do inversor.
Após a extinção do incêndio foi realizada uma inspeção técnica no sistema e identificou-se a seguinte configuração no projeto, sento as strings conectadas à entrada MPPT2:
MPPT2
ST1 - 17 módulos
ST2 - 16 módulos
ST3 - 15 módulos
ST4 - 15 módulos
Observa-se claramente que o arranjo foi composto por strings contendo um número diferente de módulos fotovoltaicos e ligadas em paralelo, como mostrou a Figura 2. Essa situação deve ser evitada e é proibida pelas normas de projetos de instalações elétricas fotovoltaicas. Qualquer projetista ou instalador bem preparado sabe que não se deve colocar em paralelo strings diferentes, seja com quantidades ou tipos diferentes de módulos.
Corrente reversa
A ligação paralela de strings diferentes ocasiona uma diferença de potencial entre as strings com mais módulos (tensões maiores) e as strings com menos módulos (tensões menores). Com a diferença de potencial e a existência de um caminho, há circulação de corrente reversa nos módulos das strings menores. Essa situação é ilustrada na Figura 3, onde vemos um exemplo (diferente da configuração do caso estudado) em que há 3 strings com 16 módulos e 1 string com 14 módulos ligadas em paralelo. Conforme indica a figura, as strings de 16 módulos vão fornecer corrente elétrica em seu sentido normal, enquanto a string de 14 módulos receberá corrente em sentido reverso.
Figura 3: O paralelismo de strings com quantidades diferentes de módulos pode ocasionar a circulação de corrente reversa na string de menor tamanho.
A corrente reversa nos módulos solares, embora seja indesejada, pode ocorrer nos sistemas fotovoltaicos quando há qualquer desigualdade entre strings ligadas em paralelo. Mesmo com strings idênticas, a corrente reversa pode ocorrer caso haja diferença de incidência de radiação solar nas strings. Assim, as strings com menos luz (sombreadas ou sujas, por exemplo) terão tensão reduzida e receberão corrente reversa imposta pelas stringsmais iluminadas. Para evitar esse problema é necessário o uso de fusíveis em série com as strings em qualquer projeto fotovoltaico em que existam três ou mais strings paralelas.
Qual foi a causa do acidente?
Ao desconectar um dos conectores MC4 na entrada do inversor realizou-se o seccionamento de um circuito elétrico de corrente contínua sob carga, uma condição muito propícia para a geração do arco elétrico, que foi o que originou o incêndio. Havia corrente circulando entre as próprias strings, mesmo com o inversor desligado, estando as strings menores sob corrente reversa, como ilustra a Figura 4. O desligamento do disjuntor CA e da chave seccionadora CC não poderiam impedir a existência de corrente elétrica nos módulos neste caso.
Figura 4: Correntes reversas dividindo-se entre as strings com menos módulos.
Como discutido anteriormente, o incêndio foi causado pela presença de corrente no circuito durante o seccionamento pela remoção do conector. Em um sistema bem projetado, com strings de igual tamanho, não deveria haver corrente em circulação pelos módulos fotovoltaicos. Rigorosamente falando, a causa do acidente foi um erro de projeto – um erro muito básico, cuja explicação só pode se basear na falta de preparo de quem projetou e também de quem instalou o sistema. A ocorrência em questão não se trata de um acidente, mas de um erro técnico.
Por que os fusíveis não atuaram nesse caso?
Os fusíveis em série com as strings presentes dentro do inversor poderiam ter atuado, evitando a existência de corrente no sistema. Os módulos fotovoltaicos são especificados para suportar uma corrente reversa que é tipicamente duas vezes a corrente de curto-circuito nominal, ou seja, algo em torno de 18A nos módulos atualmente disponíveis no mercado. A corrente de interrupção dos fusíveis deve ser posicionada abaixo desse valor (18A) e obviamente acima do valor da corrente de curto-circuito nominal (9A). Tipicamente fusíveis com corrente de interrupção nominal de 12A seriam usados neste projeto, suficientes para proteger os módulos caso ocorressem correntes reversas acima de 12A.
Em um sistema fotovoltaico corretamente projetado, com strings de iguais características, a circulação de corrente reversa é possível, mas pouco provável. Exceto se as condições de irradiação solar forem muito diferentes entre as strings, a corrente reversa não vai circular e é realmente muito raro que isso aconteça. O que aconteceu então neste projeto?
Analisando o circuito da Figura 4, vemos que existem correntes circulando por todos os módulos, com as stringsmenores oferecendo continuamente caminho para a passagem da corrente elétrica fornecida pelas maiores. Dessa forma, mesmo com condições de irradiação solar idênticas, sempre haverá alguma corrente circulando pelos módulos.
Os fusíveis poderiam ter atuado se tivéssemos um número maior de strings, gerando condições para a criação de correntes reversas de alta intensidade. Entretanto, nesse caso as correntes reversas dividiram-se entre as stringsmenores, ocasionando correntes que seguramente estavam abaixo de 12A, valor de interrupção dos fusíveis.
Mesmo assim, na ocorrência do arco elétrico, por que os fusíveis não atuaram? A resposta é simples: não é função dos fusíveis proteger o circuito contra arco elétrico. Se a intensidade do arco elétrico estiver abaixo da corrente de interrupção do fusível, ele nem perceberá a existência do arco. É um erro comum pensar que os fusíveis presentes nos circuitos fotovoltaicos (no lado CC) evitam acidentes como este. A função dos fusíveis é evitar sobrecorrentes nos circuitos (para proteger os módulos) e não tem qualquer relação com a extinção de arcos elétricos.
Conclusões
Há evidentes erros de projeto e de execução neste caso estudado. A raiz do problema foi o paralelismo de stringscom diferentes quantidades de módulos, um erro conceitual crasso, que qualquer projetista ou instalador bem preparado não deveria fazer.
É imprescindível que as características elétricas das strings ligadas em paralelo sejam as mesmas (o desvio máximo permitido é de 5% em qualquer variável – potência, tensão, corrente). Também a inclinação e o azimute de instalação dos módulos das strings paralelas devem ser os os mesmos (igualmente com desvio máximo permitido de 5%).
Nota-se neste caso uma sucessão de erros cometidos, desde o projeto, a execução e a entrada em operação. O sistema foi mal projetado, foi mal instalado e não foi comissionado (inspecionado) antes da entrada em operação.
Infelizmente o consumidor que adquire um sistema fotovoltaico não sabe que está sendo lesado por maus profissionais, bastante despreparados, que prejudicam a imagem do mercado de energia solar fotovoltaica.
Mesmo com todas essas falhas de projeto e instalação, uma equipe de comissionamento qualificada contratada para vistoriar o projeto com certeza teria detectado e apontado as falhas do sistema e teria evitado o incêndio.
Fonte: http://canalsolar.com.br/index.php/artigos/item/98-estudo-de-caso-1-incendio-em-inversor-solar-fotovoltaico